Referência da obra
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
Prefácio
Paulo Reglus Neves Freire, nascido em 19 de setembro de 1921 em Recife, Pernambuco, morto em 02 de maio de 1997 em São Paulo, cursou Direito na Faculdade de Direito de Recife, dedicou-se ao estudo de filosofia de linguagem; porém, nunca exerceu a profissão. Segundo Roger Garaudy, é o “maior pedagogo do nosso tempo.” Ele foi um profissional de educação que revolucionou, contudo foi exilado no período da ditadura militar por ser o ‘pedagogo dos oprimidos’; pois suas pesquisas e sua prática eram voltadas para a conscientização dos homens, porém continua até hoje, sendo ignorado em nosso país por falta de valorização da conscientização nacional por parte da política, pois um povo alienado é mais fácil de manipular.
A conscientização e a mudança andam lado a lado como tema básico da obra, pois a mudança vem a partir da conscientização pela educação. O princípio marxista de igualdade é exposto dentro da mudança e nos é também apresentada a interdependência da educação em relação à sociedade e vice versa. Há uma condenação ao pensamento de que apenas o diálogo é eficiente, pois o diálogo deve ser conflituoso para não cair na ingenuidade, portanto numa sociedade de classes há apenas um pseudodiálogo.
A conversação de Paulo Freire é no sentido da superação da opressão sofrida. Para tanto, a conscientização é o carro chefe da educação proposta por ele, até porque a escola não é uma ilha independente da sociedade, ela não só está inserida na comunidade, como é a parte mais importante para a formação de pessoas conscientes e politizadas. A educação deve ser politizadora, pois a política nunca ignorou a educação, mas a educação, principalmente a brasileira, sempre ignorou a política.
Capítulo 1
O compromisso do profissional com a sociedade
Neste capítulo, Freire nos fala que a condição primordial para que um ser assuma um ato comprometido, é a capacidade de agir e refletir. O compromisso verdadeiro vem apenas através da consciência crítica.
Se a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estar no mundo, associada indissoluvelmente à sua ação sobre o mundo, não existe no ser, seu estar no mundo se reduz a um não poder transpor os limites que lhe são impostos pelo próprio mundo, do que resulta que este ser não é capaz de compromisso. (p. 16).
Para tanto, Freire nos apresenta o sujeito histórico
Um ser como esse não pode comprometer-se; em lugar de relacionar-se com o mundo, o ser imerso nele somente está em contato com ele. Seus contatos não chegam a transformar o mundo, pois deles não resultam produtos significativos, capazes de (inclusive, voltando-se sobre ele) marcá-los. (p. 17).
A capacidade humana faz-nos ser um ser da práxis, o que nos diferencia dos outros seres. Porém a realidade faz-nos alienados, pois a falta de autenticidade é alienação, mas a realidade é criação dos homens. Portanto, devemos mudar essa realidade com a nossa práxis. O compromisso implica inegavelmente um conhecimento da realidade na medida em que não pode ser um ato passivo, mas prática e reflexão sobre a realidade.
Freire atenta para o compromisso profissional, falando-nos que o homem deve ser compromissado por sua natureza humana, e que a capacitação deve ser contínua.
O profissional deve ir ampliando seus conhecimentos em torno do homem, de sua forma de estar sendo no mundo, substituindo por uma visão critica a visão ingênua da realidade, deformada pelos especialismos estreitos. Quanto mais me capacito como profissional, mais aumenta minha responsabilidade com os homens. (p. 20 - 21).
Freire nos fala também das técnicas a serem usadas, utilizando a ciência e as tecnologias para instrumentar o profissional, o trabalhador social, e lembra-nos que as técnicas não podem ser transplantadas para contextos diferentes, pois técnicas neutras são inexistentes.
Capítulo 2
A educação e o processo de mudança social
Neste capítulo Freire nos indica o início da educação. O homem busca a educação por saber ser inacabado. A educação tem raiz na busca constante e em autorreflexões de como o homem pode ser mais perguntando-se: quem sou? De onde venho? Onde estou? Onde posso chegar?
Quando nos educamos devemos estar de acordo que a atualização dos conhecimentos deve ser contínua, todavia aquilo que aprendemos ninguém nos tira, contudo mesmo com o caráter permanente da educação, o conhecimento superado torna-se ignorância.
Educar é um ato de amor ao próximo, porque “não há educação sem amor” (p. 29) e educação amorosa dá esperança para que a mudança exista de fato. A educação amorosa respeita os limites do aluno, e desafia-o a transpor esses limites, para que o educando tenha um conhecimento mais amplo e uma consciência crítica, e assim não esteja fadado à ingenuidade.
O homem é capaz de transcender-se e objetivar-se, pois está no mundo e com o mundo, porém como objetivar-se e transcender-se sem uma consciência crítica? Sem distinguir o eu do não-eu?
A educação não deve adaptar. Deve estimular a opção, a criação e a recriação, pois adaptar é acomodar, não transformar.
A cultura consiste em recriar e não em repetir. Em todo homem há um ímpeto criador, este nasce da inconclusão do homem, portanto a educação deve ser desinibidora e não restritiva, mas o professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma a educação bancaria, porém a experiência revela que com este sistema só se formam indivíduos medíocres, por que não há estímulo para a criação (p. 31 - 32-38).
A mudança acontece a todo instante, portanto vivemos em transição, a transição é mudança, mas a mudança não é transição. Dentro da sociedade em transição, deve-se ter uma postura progressista ou reacionária; é preciso buscar uma nova ordem de valores.
O educador deve atentar para evitar imitações.
A imitação servil de outras culturas produz uma sociedade alienada ou sociedade-objeto. A sociedade alienada não tem consciência de seu próprio existir. Um profissional alienado é um ser inautêntico. O erro não está na imitação, mas na passividade com que se recebe a imitação ou na falta de análise ou autocrítica. A sociedade alienada não se conhece a si mesma; é imatura, tem comportamento exemplarista, trata de conhecer a realidade por diagnósticos estrangeiros. (p. 35-36).
A educação é o meio de conscientização, com ela as massas descobrem um canal para um novo status e começam a exigir mais delas, exigindo voz e voto no processo político da sociedade.
A consciência é inata, o homem nasce consciente e, na medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade. Na consciência ingênua há uma busca de compromisso; na crítica o compromisso existe de fato; e na fanática, uma entrega irracional, portanto a investigação do educador é exatamente criar a consciência crítica, sem deixar que o fanatismo tome conta dos educandos.
Capítulo 3
O papel do trabalhador social no processo de mudança
Freire inicia esse capítulo analisando o olhar crítico,
Para o ponto de vista crítico, que aqui defendemos, o ato de olhar implica noutro: o ad-mirar, olhar por dentro, separar para voltar a olhar o todo ad-mirado, que é ir para o todo, um voltar para suas partes, o que significa separá-las, são operações que só se dividem pela necessidade que o espírito tem de abstrair para alcançar o concreto. Na ingenuidade, que é uma forma ‘desarmada’ de enfrentamento da realidade, apenas olhamos e, porque não ad-miramos, não podemos adentrar o que é olhado, não vendo o que está sendo olhado (p. 43-44).
Se a estrutura social fosse somente estática ou se não houvesse estabilidade, não seria estrutura social, pois ela é formada pelo dinamismo e permanência. Desta forma, não se pode estudar a mudança sem estudar a estabilidade. O homem é um ser de práxis, portanto ao responder aos desafios que partem do mundo, cria seu mundo: o mundo histórico-cultural.
Ninguém, como ser humano, consegue a imparcialidade, sempre tomamos partido por algo, até porque a sociedade nos exige uma posição, portanto o trabalhador social tem de fazer uma escolha: ou adere a mudança ou fica a favor da permanência. Se a opção do trabalhador social é pela antimudança, sua atuação e seus procedimentos se orientarão no sentido de negar as transformações. A opção pela estabilidade é um revide à ameaça ao seu status quo.
Quem opta pela mudança não pode vê-la como ameaça, deve-se reconhecer a obviedade de que se somos homens, trabalhamos para pessoas, para que as pessoas possam ser realmente pessoas e não objetos de manipulação. Quem opta pela mudança não intimida-se com a liberdade, não preceitua, não maneja, não evita a comunicação, ao invés disso, a procura e vive.
A mudança é da estrutura social, portanto uma totalidade, então para a mudança, faz-se necessária a mudança das partes separadamente. Começando-se pela escola. A mudança exige do trabalhador social uma reflexão crítica do contexto cultural onde se está inserido.
O problema maior que se coloca àqueles que por questão de viabilidade histórica não tem outro caminho a não ser a mudança gradual das partes, com a qual pretendem alcançar a mudança da totalidade, consiste em: ao mudar uma das dimensões da estrutura, as respostas a esta mudança não tardam. São respostas de caráter estrutural e de caráter ideológico. De um lado, são as demais dimensões da realidade que, ao se conservarem como estão, criam obstáculos ao processo de transformação de dimensão sobre a qual está incidindo a ação transformadora; de outro lado, são as forças contrarias à mudança que tendem a se fortalecer diante da ameaça concreta da mudança de uma das dimensões em transformação. (p. 53).
As forças contrárias às mudanças querem manter seu status quo.
Seria ingenuidade pensar que as forças contrárias à mudança não percebem que a mudança de uma parte promove a mudança de outra, até que chega a mudança da totalidade, como seria ingenuidade também não contar com uma reação, sempre mais forte, a estas mudanças parciais. (p. 54).
Perante a mitificação da realidade dada pela reação da antimudança.
O trabalhador social deve desmitificar a realidade mitificada, ele deve atuar e refletir com os indivíduos para conscientizar-se junto com eles das reais dificuldades da sua sociedade. Homem deve atuar pensar, crescer, transformar e não adaptar-se fatalisticamente a uma realidade desumanizante (p. 54 -56 - 60).
Destruindo assim a manipulação, porque o manejo intelectual é o instrumento da desumanização, enquanto a tarefa de mudar, só se legitima em seu intuito humanista. Dentro desse pensamento forma-se a mudança cultural, que começa com a transformação do entendimento da realidade, individual e, concomitantemente, coletiva. Numa consciência ingênua pode-se dizer que a mudança da percepção da realidade só seria possível com a mudança da estrutura, por causa da sujeição que uma exerce sobre a outra.
O trabalhador social que opta pela mudança deve levar a conscientização aos indivíduos com quem se labora, enquanto com eles também se conscientiza. Isso então sugere, afinal, o impulso de transformar para ser mais.
Capítulo 4
Alfabetização de adultos e conscientização
O homem é um ser comunitário, portanto não há educação no exterior das comunidades humanas e não há homens disjuntos. E para que haja educação faz-se necessária a instrumentação. A instrumentação da educação depende da conformidade entre a propensão ontológica e as condições especiais do tempo e da conjuntura.
A integração dá ao homem consciência e com isso o torna crítico. A mudança se apresenta a partir da criação, recriação e decisões dentro um contexto temporal. Porém para a mudança faz-se necessária a transição, nessa fase faz-se imprescindível a mente crítica, para a não distorção da realidade vivida.
Com o desenvolvimento da crítica, a participação popular nas decisões é exigida. Nesse sentido a educação torna-se libertadora, mostrando ao homem como é estar no mundo, com o mundo.
Para isso o diálogo é extremamente importante, não um pseudodiálogo, mas um diálogo onde há uma relação horizontal e não verticalizada. Com a comunicação dialogal consegue-se a conscientização dos educandos, porque o diálogo é amoroso. Para educação de adultos faz-se necessária a escolha de “palavras geradoras” (p. 74) para que a alfabetização seja satisfatória e haja conscientização dos educandos.
Parecer do resenhista
Esse livro é importante para a formação de educadores, porém a mudança apresentada é uma utopia diante da realidade capitalista, onde a escola apenas forma mão de obra qualificada para trabalho intelectual, e mão de obra desqualificada para trabalho manual [1]; mas vemos, na realidade brasileira, a falta de qualidade até mesmo para a formação intelectual.
A mudança deveria acontecer sim, todavia deveria começar pelo interesse político na qualificação dos profissionais de ensino. Para isso a mentalidade dos políticos não deveria estar centrada na manutenção de seu status.
O fato de ser utópica não necessariamente aponta a impossibilidade da prática educativa em favor da mudança. Entretanto, é um desafio gigantesco para todos nós, educadores, pais, parentes, líderes espirituais, a mudança da maneira neoliberal de encarar a realidade, extremamente mitificada, para gerar apenas a consciência ingênua.
O desafio maior é vencer a imposição da classe dominante através da política, de uma educação mantenedora da realidade desigual para os homens, com apenas formação de operários às classes menos abastadas. A melhoria da qualidade na educação faz-se necessária, no entanto para isso a formação de qualidade para educadores torna-se prioridade.
O amor faz-se prioridade na educação, não numa posição paternalista, mas com o respeito às limitações dos educandos e desafiando-os a superá-los, pois só com amor é possível educar e manter os educandos capazes de obter uma consciência crítica. Para tanto, é necessário que o profissional de educação, além de bem qualificado, seja também capaz de amar a sua profissão e os educandos. Com isso, a educação faz-se instrumento da mudança na sociedade.
[1] POULANTZAS,Nicos.classes sociais no capitalismo de hoje.Rio de Janeiro:Zahar,1975. p.289.