segunda-feira, 6 de maio de 2013

Resenha: A civilização feudal do ano mil à colonização da América Jérôme Baschet


Resenha: A civilização feudal do ano mil à colonização da América
As relações feudo-vassálicas e o ritual de homenagem
Jérôme Baschet
A Idade Média é um período da história que durou mil anos e é caracterizada por um sistema peculiar chamado feudalismo e seus laços de vassalagem e servidão. Outra característica fundamental é a ruralização da sociedade. Para melhor compreensão, o autor escolheu a segunda metade do período para explicar como se deram as relações feudais de vassalagem porque durante a primeira metade ocorreu a consolidação do regime.
O feudalismo, como todas as relações humanas, não foi uniforme, porém por uma questão didática e pelo volume de fontes históricas torna-se impossível estudar por completo todas as regiões da Europa no período. As relações de vassalagem e servidão são diversas, assim como os 'escravismos'. Em cada região, em cada povo, em cada feudo, para cada vassalo ou servo havia uma relação vassálica ou feudo-vassálica diferente.
A relação vassálica iniciou-se na época carolíngia, onde o rei procura a fidelidade dos mais influentes, aristocratas, dando-lhes "honras" principalmente governo de províncias. Institui uma "hierarquia entre iguais”, (p. 123) onde o vassalo se engaja a servir seu senhor de acordo com o costume feudal. O senhor feudal, por muitas vezes, era vassalo de outro senhor, e assim sucessivamente até o monarca que, a princípio seria o dono de toda a terra.
As relações de vassalagem asseguravam uma estruturação social para os nobres. Segundo o autor, "eram restritas apenas a uma porção ínfima da população cerca de 1% a 2% e asseguravam a distribuição do poder no seio da aristocracia”. (p. 122) Portanto, as relações vassálicas não são a base de estratificação social, porém garantem a obrigação militar dos vassalos para com seus senhores. Mas surgem dificuldades quando um nobre presta homenagens a diversos senhores diferentes, pois os interesses dos senhores eram distintos em muitos casos.
As relações referentes aos camponeses eram feudo-vassálicas, diferente da anterior por dizer respeito ao uso da terra e não necessariamente às obrigações militares dos nobres. As relações feudo-vassálicas se situavam na obrigação de fornecer ao senhor excedentes agrícolas e servir como soldado nas empreitadas militares do senhor.
O feudo, porém pode ser considerado um direito senhorial, ou particular, exercendo a justiça e cobrando impostos, taxas ou pedágios. O rei é proprietário da terra, porém como direito senhorial, passa-se o poder ao nobre, mas com o uso da terra quem se faz dono é o camponês que a transmite aos seus descendentes, no entanto há taxas a serem pagas ao senhor que garante ao camponês a paz e a não destruição das plantações.
Plantações essas que garantiam a renda dos próprios senhores, pois o excedente agrícola era a sua principal fonte de numerários. Dessa renda, parte era destinada aos seus senhores mais ricos, sucessivamente até o monarca. O monarca, segundo Perry Anderson, era "suserano feudal de seus vassalos" e "seus recursos econômicos provinham quase que exclusivamente dos seus domínios pessoais enquanto senhor." (p 147) Porém cobrava contribuições essencialmente militares de seus vassalos.
Uma concessão feita ao vassalo deveria ser retomada quando este morresse, porém a terra é repassada aos seus descendentes, o que faz com que os filhos do vassalo preste também homenagem ao senhor. Por esta razão, o senhor esforça-se continuamente em manter as obrigações vassálicas. No entanto, o feudo parece pertencer à família do vassalo que se permite, às vezes, vendê-lo. Porém o senhor mantém o direito de punir os vassalos por suas faltas até mesmo com o confisco do feudo.
Essa dinâmica do processo demonstra a fragilidade crescente da unidade nacional. Condes e duques significam e ressignificam os laços vassálicos garantindo para si um contingente militar confiável e considerável. O poder se torna assim extremamente local. "A concentração de poderes de origens diferentes nas mãos de senhores próximos e exigentes poderia mesmo ser considerada um dos elementos decisivos do crescimento ocidental." Por esta razão, "essa forma de organização era suficientemente adaptada às possibilidades materiais de produção e à lógica social global." (p. 127)
Segundo Anderson a justiça era sinônimo de poder (p.149), e o feudo era a jurisdição privada do senhor, no entanto o poder monárquico não pode ser menosprezado, por exercer uma autoridade pública em meio a jurisdições privadas. (p. 148) Enquanto Baschet completa dizendo que todos habitantes do senhorio sofrem dominação do senhor local.
As habitações rurais eram frágeis e constantemente abandonadas, pelo empobrecimento do solo, que obrigava os camponeses a se mudarem para conseguir melhores safras. Com uma distribuição de terras para agricultura e formação de aldeias e vilas, por volta do ano 900 ao ano 1000, essas habitações passam a ser mais resistentes e habitadas continuamente.
Durante o século X particularmente na Itália ocorre o reagrupamento em aldeias no interior das muralhas fortificadas dos castelos. Dá-se início então ao encelulamento, onde ocorrem os princípios do renascimento. A intencionalidade de reagrupar as pessoas é de segundo ou terceiro plano, pois a disseminação de castelos tinha função militar de proteção e social de ostentação.
Durante o século XI a característica principal é de um senhor agrupando várias aldeias, porém o século XII tem a característica oposta, onde vários senhores dominam uma mesma aldeia. O aldeão pode, portanto ser vassalo de diversos senhores para distintos interesses. "A reconfiguração socio-espacial leva à formação de um sistema dotado de coerência nova e que é o quadro de um desenvolvimento de amplitude inédita." (p. 132) Até então a sociedade apenas se ruralizava, enquanto iniciou o processo de reurbanização da Europa traz novos conceitos citadinos.
Outra forma de agrupamento social é a paróquia que não necessariamente está imersa nas muralhas do castelo. Com isso há a formação de aldeias isoladas, dispersas. A Igreja, no entanto torna-se um instrumento de denúncia dos abusos de senhores laicos, contudo legitima seus senhorios em detrimento da aristocracia. Sua intencionalidade, segundo o autor, é a manutenção do sistema senhorial, onde os clérigos seriam os senhores.
O domínio senhorial abrangia além da vassalagem, a servidão e a escravidão. Em ambos os casos havia sérias restrições de liberdade. A escravidão, em diversas fontes tidas como abolida no período, se faz presente em ínfimo número e utilizada principalmente para o comércio com árabes como moeda de troca por especiarias asiáticas. O servo não é propriedade do senhor, porém não goza de alguns direitos que o s homens livres possuem. A servidão, porém não era dominante e sua abrangência era flutuante de acordo com a localidade e período temporal e afetava principalmente a população rural.
O domínio senhorial é, portanto fundado em uma interdependência pessoal entre o senhor, o servo e os vassalos, onde as taxas e impostos, juntamente aos deveres servis caracterizam o dominium. O poder, como já dito era exercido através da justiça, e os senhores passaram a eles mesmos exercê-la, reduzindo assim mais ainda o poder central. Entretanto a competência judiciária não é igual para todos os senhores, a justiça exercida é principalmente fundiária. A justiça exercida é mais uma forma de assegurar a manutenção do poder senhorial, pois não há apelação.

resenha Lugar da História na sociedade africana Joseph Ki-Zerbo e Hama Boubou


História geral da África I
Capítulo 2 Lugar da História na sociedade africana
Joseph Ki-Zerbo e Hama Boubou
A África é um continente maciço e antigo, apoiado em placas tectônicas longas e firmes. É extremamente rica, contudo não há um gerenciamento de seus recursos para melhor aproveitamento deles. A falta de baias e enseadas isola a África por via marítima, o Saara é uma barreira natural para as migrações no sentido norte-sul e vice-versa.
Por se voltar para si, a sociedade africana não sofreu muita influência estrangeira, a princípio. O isolamento das sociedades africanas estreita sua visão histórica, pois sem que se tenha um apanhado sobre história geral e haja uma interação entre culturas, não se pode ter uma visão de mundo, mas somente uma visão regional.
Enquanto a história busca a compreensão do homem através do tempo, o homem africano tem a consciência prática de que seus atos serão refletidos e interiorizados posteriormente, pois faz parte do imaginário popular e das religiões africanas o culto aos ancestrais, se reportando a eles sempre que haja necessidade de uma tomada de decisão importante. O apego aos ancestrais os faz o africano mais influente posteriormente que em seu próprio tempo.
O tempo africano tradicional engloba e integra a eternidade em todos os sentidos, não sendo a duração capaz de ritmar um destino individual. É primordialmente mítico e social. "Toda história é originalmente uma história sagrada." (p. 28) O tempo africano é medido pelas estações chuvosas e seu calendário é complexo, com métodos de datação semelhantes aos utilizados na Europa nos séculos XVIII e XIX.
O africano inicialmente não se vê como subalterno, pois não vivencia uma sociedade altamente hierarquizada, o poder é extremamente bem distribuído, o que faz da história uma questão que diz respeito a todos. Daí o "sentimento de fazer história mesmo em uma escala micro cósmica da aldeia" (p. 31) é primordial para que seus descendentes possam buscar neles as respostas quando se reportarem aos ancestrais. Pois existe no africano um desejo de invocar o passado, para justificar-se sem que para isso ocorra o imobilismo ou o impedimento do progresso. A história justifica o passado enquanto exorta para o futuro. O homem africano não se vê preso a um processo estático, nem a um retorno cíclico, para ele "o tempo é o lugar onde o homem pode, sem cessar, lutar pelo desenvolvimento de sua energia vital." (p. 31)
A concepção africana de Chefe dá a este um espaço exorbitante na história dos povos, no entanto a ideia do líder que atua como motor da história não é creditada a um só homem, num esquema simplista. A história na África reserva aos companheiros dos chefes, mesmo em situação subalterna um lugar como herois. Para o exercício do poder é necessário o valor ético primordialmente.
A educação africana é um processo de preparação a uma vida de responsabilidades, onde a coletividade é o cerne da questão e a paciência deve ser trabalhada enquanto a fúria deve ser canalizada para uma melhor atuação nas responsabilidades públicas.
O Saara foi a porta de entrada da cultura islâmica na África, que trouxe consigo a cultura letrada. Contudo a escrita não garante uma consciência coletiva de ser agente histórico, porém estabelece pontos de referência, organizando o fluxo histórico e garantindo o estudo histórico e uma compreensão mais facilitada por meio de fontes escritas.
A história africana reserva um lugar para as mulheres de maior prestígio que em outros lugares, seja pela sucessão matrilinear, ou pela participação na vida coletiva nas artes, no trabalho, ou pelas batalhas motivadas por elas "as mulheres africana sempre foram consideradas personagens eminentes da história dos povos" (p. 30), e o provérbio africano justifica: "As mulheres podem tudo comprometer, elas podem tudo arranjar." (p. 30) Pelo poder de sedução e facilidade de traição a qual as mulheres desempenharam os papeis históricos, elas entram na história africana com muito prestígio.
Como a África é pouco acessível por via marítima, o deserto foi a principal forma de interação dos povos africanos. Com isso temos a entrada da cultura islâmica como anterior à europeia. Apenas com o desenvolvimento de novas tecnologias de navegação, os europeus conseguiram chegar ao continente africano, o interesse inicial é o de evitar os intermediários árabes e conseguir melhores preços aos produtos africanos.
Com as invasões europeias, excessivas imposições exteriores e alienantes 'domesticaram' o africano a não desenvolver uma consciência responsável. Os membros de sociedades africanas só tinham consciência de estar fazendo história numa escala e numa medida bastante limitada. "Isto não significa, em absoluto, um condicionamento ideológico que destrói o espírito crítico" (p.29) O camponês quando 'senhor da casa' acreditava ter amplo controle de seu próprio destino. "O apego à liberdade atestava aqui o gosto pela iniciativa e o repúdio à alienação" (p. 29) Isso foi um desafio aos colonizadores, pois a resistência às imposições foi gigantesca.
Essas invasões trazem consigo a mentalidade de lucro e acumulação monetária, o que gera uma mudança na concepção de tempo. "O dinheiro faz a história." (p. 35) O texto se encerra com a afirmação: O homem africano, de tão próximo de sua história, tinha a impressão de forjá-la por si mesmo em suas microssociedades, agora enfrenta o risco iminente de uma imensa alienação e a oportunidade de ser coautor do processo histórico global.
Portanto a colonização europeia na África trouxe consigo a alienação monetária, onde a 'mais valia' causa exploração da mão de obra, que por sua vez gera lucros, por vezes exorbitantes, aos donos dos meios de produção, e mesmo explorados são levados a acreditar que devem ser gratos pela oportunidade de ter um trabalho que lhes garante minimamente um poder aquisitivo que não garante perfeitamente o sustento de suas famílias.
A colonização europeia e sua ganância foram nocivas à noção africana de história e tempo, assim como o processo de aculturação ao cristianismo e os preconceitos europeus geram uma maior resistência à dominação, mas o dinheiro corrompe e a partir desse preceito, os saques e invasões se sucederam e se legitimaram gerando grandes perdas à África. A maior desculpa para a invasão é de 'foram abertas as portas da África para o mundo', onde o isolamento africano deixou de existir.
O isolamento africano foi nocivo a uma visão mais global, todavia o preço pago foi muito alto. A África tem a possibilidade de ser agente da história global com essa abertura, mas o poder da alienação monetária não pode ser esquecido.