segunda-feira, 6 de maio de 2013

resenha Lugar da História na sociedade africana Joseph Ki-Zerbo e Hama Boubou


História geral da África I
Capítulo 2 Lugar da História na sociedade africana
Joseph Ki-Zerbo e Hama Boubou
A África é um continente maciço e antigo, apoiado em placas tectônicas longas e firmes. É extremamente rica, contudo não há um gerenciamento de seus recursos para melhor aproveitamento deles. A falta de baias e enseadas isola a África por via marítima, o Saara é uma barreira natural para as migrações no sentido norte-sul e vice-versa.
Por se voltar para si, a sociedade africana não sofreu muita influência estrangeira, a princípio. O isolamento das sociedades africanas estreita sua visão histórica, pois sem que se tenha um apanhado sobre história geral e haja uma interação entre culturas, não se pode ter uma visão de mundo, mas somente uma visão regional.
Enquanto a história busca a compreensão do homem através do tempo, o homem africano tem a consciência prática de que seus atos serão refletidos e interiorizados posteriormente, pois faz parte do imaginário popular e das religiões africanas o culto aos ancestrais, se reportando a eles sempre que haja necessidade de uma tomada de decisão importante. O apego aos ancestrais os faz o africano mais influente posteriormente que em seu próprio tempo.
O tempo africano tradicional engloba e integra a eternidade em todos os sentidos, não sendo a duração capaz de ritmar um destino individual. É primordialmente mítico e social. "Toda história é originalmente uma história sagrada." (p. 28) O tempo africano é medido pelas estações chuvosas e seu calendário é complexo, com métodos de datação semelhantes aos utilizados na Europa nos séculos XVIII e XIX.
O africano inicialmente não se vê como subalterno, pois não vivencia uma sociedade altamente hierarquizada, o poder é extremamente bem distribuído, o que faz da história uma questão que diz respeito a todos. Daí o "sentimento de fazer história mesmo em uma escala micro cósmica da aldeia" (p. 31) é primordial para que seus descendentes possam buscar neles as respostas quando se reportarem aos ancestrais. Pois existe no africano um desejo de invocar o passado, para justificar-se sem que para isso ocorra o imobilismo ou o impedimento do progresso. A história justifica o passado enquanto exorta para o futuro. O homem africano não se vê preso a um processo estático, nem a um retorno cíclico, para ele "o tempo é o lugar onde o homem pode, sem cessar, lutar pelo desenvolvimento de sua energia vital." (p. 31)
A concepção africana de Chefe dá a este um espaço exorbitante na história dos povos, no entanto a ideia do líder que atua como motor da história não é creditada a um só homem, num esquema simplista. A história na África reserva aos companheiros dos chefes, mesmo em situação subalterna um lugar como herois. Para o exercício do poder é necessário o valor ético primordialmente.
A educação africana é um processo de preparação a uma vida de responsabilidades, onde a coletividade é o cerne da questão e a paciência deve ser trabalhada enquanto a fúria deve ser canalizada para uma melhor atuação nas responsabilidades públicas.
O Saara foi a porta de entrada da cultura islâmica na África, que trouxe consigo a cultura letrada. Contudo a escrita não garante uma consciência coletiva de ser agente histórico, porém estabelece pontos de referência, organizando o fluxo histórico e garantindo o estudo histórico e uma compreensão mais facilitada por meio de fontes escritas.
A história africana reserva um lugar para as mulheres de maior prestígio que em outros lugares, seja pela sucessão matrilinear, ou pela participação na vida coletiva nas artes, no trabalho, ou pelas batalhas motivadas por elas "as mulheres africana sempre foram consideradas personagens eminentes da história dos povos" (p. 30), e o provérbio africano justifica: "As mulheres podem tudo comprometer, elas podem tudo arranjar." (p. 30) Pelo poder de sedução e facilidade de traição a qual as mulheres desempenharam os papeis históricos, elas entram na história africana com muito prestígio.
Como a África é pouco acessível por via marítima, o deserto foi a principal forma de interação dos povos africanos. Com isso temos a entrada da cultura islâmica como anterior à europeia. Apenas com o desenvolvimento de novas tecnologias de navegação, os europeus conseguiram chegar ao continente africano, o interesse inicial é o de evitar os intermediários árabes e conseguir melhores preços aos produtos africanos.
Com as invasões europeias, excessivas imposições exteriores e alienantes 'domesticaram' o africano a não desenvolver uma consciência responsável. Os membros de sociedades africanas só tinham consciência de estar fazendo história numa escala e numa medida bastante limitada. "Isto não significa, em absoluto, um condicionamento ideológico que destrói o espírito crítico" (p.29) O camponês quando 'senhor da casa' acreditava ter amplo controle de seu próprio destino. "O apego à liberdade atestava aqui o gosto pela iniciativa e o repúdio à alienação" (p. 29) Isso foi um desafio aos colonizadores, pois a resistência às imposições foi gigantesca.
Essas invasões trazem consigo a mentalidade de lucro e acumulação monetária, o que gera uma mudança na concepção de tempo. "O dinheiro faz a história." (p. 35) O texto se encerra com a afirmação: O homem africano, de tão próximo de sua história, tinha a impressão de forjá-la por si mesmo em suas microssociedades, agora enfrenta o risco iminente de uma imensa alienação e a oportunidade de ser coautor do processo histórico global.
Portanto a colonização europeia na África trouxe consigo a alienação monetária, onde a 'mais valia' causa exploração da mão de obra, que por sua vez gera lucros, por vezes exorbitantes, aos donos dos meios de produção, e mesmo explorados são levados a acreditar que devem ser gratos pela oportunidade de ter um trabalho que lhes garante minimamente um poder aquisitivo que não garante perfeitamente o sustento de suas famílias.
A colonização europeia e sua ganância foram nocivas à noção africana de história e tempo, assim como o processo de aculturação ao cristianismo e os preconceitos europeus geram uma maior resistência à dominação, mas o dinheiro corrompe e a partir desse preceito, os saques e invasões se sucederam e se legitimaram gerando grandes perdas à África. A maior desculpa para a invasão é de 'foram abertas as portas da África para o mundo', onde o isolamento africano deixou de existir.
O isolamento africano foi nocivo a uma visão mais global, todavia o preço pago foi muito alto. A África tem a possibilidade de ser agente da história global com essa abertura, mas o poder da alienação monetária não pode ser esquecido.

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