Resenha: A civilização feudal do ano mil à colonização da América
As relações feudo-vassálicas e o ritual de homenagem
Jérôme Baschet
A Idade Média é um período da história que durou mil
anos e é caracterizada por um sistema peculiar chamado feudalismo e seus laços
de vassalagem e servidão. Outra característica fundamental é a ruralização da
sociedade. Para melhor compreensão, o autor escolheu a segunda metade do
período para explicar como se deram as relações feudais de vassalagem porque durante
a primeira metade ocorreu a consolidação do regime.
O feudalismo, como todas as relações humanas, não foi
uniforme, porém por uma questão didática e pelo volume de fontes históricas
torna-se impossível estudar por completo todas as regiões da Europa no período.
As relações de vassalagem e servidão são diversas, assim como os 'escravismos'.
Em cada região, em cada povo, em cada feudo, para cada vassalo ou servo havia
uma relação vassálica ou feudo-vassálica diferente.
A relação vassálica iniciou-se na época carolíngia,
onde o rei procura a fidelidade dos mais influentes, aristocratas, dando-lhes
"honras" principalmente governo de províncias. Institui uma
"hierarquia entre iguais”, (p. 123) onde o vassalo se engaja a servir seu
senhor de acordo com o costume feudal. O senhor feudal, por muitas vezes, era
vassalo de outro senhor, e assim sucessivamente até o monarca que, a princípio
seria o dono de toda a terra.
As relações de vassalagem asseguravam uma estruturação
social para os nobres. Segundo o autor, "eram restritas apenas a uma
porção ínfima da população cerca de 1% a 2% e asseguravam a distribuição do
poder no seio da aristocracia”. (p. 122) Portanto, as relações vassálicas não
são a base de estratificação social, porém garantem a obrigação militar dos
vassalos para com seus senhores. Mas surgem dificuldades quando um nobre presta
homenagens a diversos senhores diferentes, pois os interesses dos senhores eram
distintos em muitos casos.
As relações referentes aos camponeses eram
feudo-vassálicas, diferente da anterior por dizer respeito ao uso da terra e
não necessariamente às obrigações militares dos nobres. As relações
feudo-vassálicas se situavam na obrigação de fornecer ao senhor excedentes
agrícolas e servir como soldado nas empreitadas militares do senhor.
O feudo, porém pode ser considerado um direito
senhorial, ou particular, exercendo a justiça e cobrando impostos, taxas ou
pedágios. O rei é proprietário da terra, porém como direito senhorial, passa-se
o poder ao nobre, mas com o uso da terra quem se faz dono é o camponês que a
transmite aos seus descendentes, no entanto há taxas a serem pagas ao senhor
que garante ao camponês a paz e a não destruição das plantações.
Plantações essas que garantiam a renda dos próprios
senhores, pois o excedente agrícola era a sua principal fonte de numerários.
Dessa renda, parte era destinada aos seus senhores mais ricos, sucessivamente
até o monarca. O monarca, segundo Perry Anderson, era "suserano feudal de
seus vassalos" e "seus recursos econômicos provinham quase que
exclusivamente dos seus domínios pessoais enquanto senhor." (p 147) Porém
cobrava contribuições essencialmente militares de seus vassalos.
Uma concessão feita ao vassalo deveria ser retomada
quando este morresse, porém a terra é repassada aos seus descendentes, o que
faz com que os filhos do vassalo preste também homenagem ao senhor. Por esta
razão, o senhor esforça-se continuamente em manter as obrigações vassálicas. No
entanto, o feudo parece pertencer à família do vassalo que se permite, às
vezes, vendê-lo. Porém o senhor mantém o direito de punir os vassalos por suas
faltas até mesmo com o confisco do feudo.
Essa dinâmica do processo demonstra a fragilidade
crescente da unidade nacional. Condes e duques significam e ressignificam os
laços vassálicos garantindo para si um contingente militar confiável e
considerável. O poder se torna assim extremamente local. "A concentração
de poderes de origens diferentes nas mãos de senhores próximos e exigentes
poderia mesmo ser considerada um dos elementos decisivos do crescimento
ocidental." Por esta razão, "essa forma de organização era
suficientemente adaptada às possibilidades materiais de produção e à lógica
social global." (p. 127)
Segundo Anderson a justiça era sinônimo de poder
(p.149), e o feudo era a jurisdição privada do senhor, no entanto o poder
monárquico não pode ser menosprezado, por exercer uma autoridade pública em
meio a jurisdições privadas. (p. 148) Enquanto Baschet completa dizendo que
todos habitantes do senhorio sofrem dominação do senhor local.
As habitações rurais eram frágeis e constantemente
abandonadas, pelo empobrecimento do solo, que obrigava os camponeses a se
mudarem para conseguir melhores safras. Com uma distribuição de terras para
agricultura e formação de aldeias e vilas, por volta do ano 900 ao ano 1000,
essas habitações passam a ser mais resistentes e habitadas continuamente.
Durante o século X particularmente na Itália ocorre o
reagrupamento em aldeias no interior das muralhas fortificadas dos castelos. Dá-se
início então ao encelulamento, onde ocorrem os princípios do renascimento. A
intencionalidade de reagrupar as pessoas é de segundo ou terceiro plano, pois a
disseminação de castelos tinha função militar de proteção e social de
ostentação.
Durante o século XI a característica principal é de um
senhor agrupando várias aldeias, porém o século XII tem a característica
oposta, onde vários senhores dominam uma mesma aldeia. O aldeão pode, portanto
ser vassalo de diversos senhores para distintos interesses. "A
reconfiguração socio-espacial leva à formação de um sistema dotado de coerência
nova e que é o quadro de um desenvolvimento de amplitude inédita." (p.
132) Até então a sociedade apenas se ruralizava, enquanto iniciou o processo de
reurbanização da Europa traz novos conceitos citadinos.
Outra forma de agrupamento social é a paróquia que não
necessariamente está imersa nas muralhas do castelo. Com isso há a formação de
aldeias isoladas, dispersas. A Igreja, no entanto torna-se um instrumento de
denúncia dos abusos de senhores laicos, contudo legitima seus senhorios em
detrimento da aristocracia. Sua intencionalidade, segundo o autor, é a
manutenção do sistema senhorial, onde os clérigos seriam os senhores.
O domínio senhorial abrangia além da vassalagem, a
servidão e a escravidão. Em ambos os casos havia sérias restrições de
liberdade. A escravidão, em diversas fontes tidas como abolida no período, se
faz presente em ínfimo número e utilizada principalmente para o comércio com
árabes como moeda de troca por especiarias asiáticas. O servo não é propriedade
do senhor, porém não goza de alguns direitos que o s homens livres possuem. A
servidão, porém não era dominante e sua abrangência era flutuante de acordo com
a localidade e período temporal e afetava principalmente a população rural.
O
domínio senhorial é, portanto fundado em uma interdependência pessoal entre o
senhor, o servo e os vassalos, onde as taxas e impostos, juntamente aos deveres
servis caracterizam o dominium. O poder, como já dito era exercido através da
justiça, e os senhores passaram a eles mesmos exercê-la, reduzindo assim mais
ainda o poder central. Entretanto a competência judiciária não é igual para
todos os senhores, a justiça exercida é principalmente fundiária. A justiça
exercida é mais uma forma de assegurar a manutenção do poder senhorial, pois
não há apelação.