Resenha: A sociedade ordens e
classes
Pierre
Chaunu
A
organização social é extremamente abstrata, porém faz parte da sociedade e a
rege. Através da interpretação do abstrato que é possível compreender a
sociedade. Por essa razão a história social não pode ser preterida, mas sim
estudada a priori para se entender a História de um povo. É certo que durante o
início do período moderno a opulência e o poder aquisitivo são menos
importantes que um berço privilegiado.
A apresentação de Chaunu é comparativa. Ele nos
apresenta a Europa ocidental como paradigma e demonstra pouco da oriental para
que se possam perceber as mudanças.
A realidade social na Idade Moderna é o surgimento
da burguesia, a queda do regime de ordens e o surgimento das classes sociais. A
burguesia buscou ascender à nobreza, através de casamentos com nobres, porém
foi um processo lento e gradual onde a própria burguesia mais antiga impôs
barreiras à escalada social de novos burgueses.
Nesse período moderno pode-se ver que a burguesia
mesmo que inconscientemente, percebeu a mudança da estratificação social e
tentou evitar a qualquer custo, porém não obteve êxito. Chaunu nos mostra que a
mudança da organização social de ordens para classes passou por um período em
que “se viveu uma tendência para o regime de castas, onde a endogamia é a
realidade”. A burguesia via a mudança, pagava caro para parasse, porque estava
pagando caro para ascender à nobreza e legitimando sua riqueza, mas as relações
sociais obtêm mutações a todo instante.
O autor apresenta a acumulação de riquezas como a
base da mudança na estratificação social, como a introdução de pessoas em uma
ordem crescente, nobreza, em detrimento da camponesa, através de mudanças na
utilização da terra por força do renascimento que de certa forma foi esvaziando
o campo. Cita exemplos nos informando “em parte alguma a acumulação capitalista
do grande comércio é tão antiga como na Holanda, tão rápida como na
Inglaterra”, e demonstra como se deu o processo na Inglaterra “A burguesia
introduziu-se nos moldes flexíveis duma sociedade aristocrática que ela mesma
transformou”. Portanto não foram necessários golpes.
Exemplos de outras partes da Europa, no norte
ocidental a acumulação lenta e atrasada gera “reflexos mais retrógrados de
rejeição de crescimento”, ao sul “não há ameaças sérias à estratificação feudal
de ordens”. A leste “a aristocracia reforça o seu poder sobre um campesinato em
queda de estatuto”. Portanto Chaunu apresenta a acumulação e capitalização
monetária como as causas da transformação da sociedade e, portanto geradora da
revolução industrial na Inglaterra.
A mudança da organização social é lenta, profunda,
transformadora. A Revolução Francesa é exemplo disso a partir de 1750 de acordo
com Chaunu pode até mesmo haver recuos nos avanços das mudanças. “Ao quebrar o
crescimento econômico, motor da desordem social, a Revolução Francesa, por um
ricochete inevitável, provocou mesmo um endurecimento do que podia ainda
subsistir das antigas estruturas e ordens”. Com isso algumas regiões sob o
domínio de conservadores podem manter-se por mais tempo ligadas ao sistema
anterior.
O autor se remete ao sistema de castas indianas para
explicar porque se remeteu a tal regime. Porém apresenta hierarquia social
nessa estratificação.
De acordo com Chaunu
a sociedade barroca e clássica do
século XVII e primeiro quartel do XVIII está mais ligada às ordens que às
classes, as ordens de valores sociais dos anos 1600-1750 permanecem
infinitamente mais próximas da Idade Média que dos valores saídos da revolução
industrial,
com isso se percebe que
a Igreja assim como a burguesia acreditam que a legitimação da sociedade
europeia se dá através das ordens e não pelas classes.
Os burgueses são qualificados como honrados ou
honestos pela utilidade de empregar os trabalhadores braçais e pela riqueza.
“Se vivem na cidade e se fazem parte das honras, cargos e privilégios de
Cidadão, todos podem aspirar ao título de burguês”. Os burgueses são
respeitados e possuem crédito com o Poder se tornando muito poderosos nas
cidades.
Os mendigos, vagabundos e trabalhadores da cidade
são ignorados pela nobreza e burguesia, no entanto os lavradores não o são,
pois a grande parte da riqueza é fruto da terra. “A grande riqueza não é tanto
a terra, na verdade, mas sim os camponeses que a trabalham”, com isso é vista a
consciência de que o trabalhador rural tem importância pela falta de
maquinário.
É visto que o nível de vida é medido pelo número de
criados que lhe prestam seus serviços. A necessidade de se afirmar custa muito
caro, e “se paga o preço para obter a honra que é herdada por alguns poucos,
embora sob pena de a perderem por falta de dinheiro”. Talvez seja essa a
motivação de casamentos entre burgueses e nobres, elevando-se assim os
burgueses ao status de nobres.
Como a nobreza tem origem na terra, em tese o nobre
é grande proprietário rural e “a fonte da riqueza e do poder não reside no
comércio que o fez, mas na numerosa massa de homens que vivem da terra”, a
burguesia busca, com o dinheiro obtido no comércio, a compra de terras que traz
ascendência de hierarquia, prestígio e honra assim a nobreza da burguesia se
legitima.
Assim como em camadas superiores, os camponeses
também são conservadores “inimigos obstinados do progresso agrícola e
abrandamento dos costumes, chegando a vender o seu pão a velhos clientes a
aceitar propostas mais vantajosas por parte de indivíduos com os quais não têm
o hábito de negociar”. Assim vemos o quanto à lógica capitalista ainda não
estava estabelecida e como supracitado a sociedade moderna está mais próxima do
medievo que da sociedade capitalista pós-revolução industrial.
Como os
burgueses não são campesinos, suas propriedades necessitavam de camponeses para
criar animais e lavrar a terra. Surgem nesse contexto os meeiros, posseiros,
rendeiros e artesãos rurais, “especuladores de pequenos negócios”.
Trabalhadores de agricultura e pecuária familiar onde o principal bem é um
animal de tiro ao serviço de 8 a 10 hectares de exploração da terra. Na
Grã-Bretanha se denominou de genro.
Porém o caminho do campo à burguesia se fazia
possível,
agricultores enriquecidos,
rendeiros cobradores de talha, hábeis artífices da reação senhorial de que
sabem, dadas as circunstâncias, captar os lucros, essa pequena aristocracia de
‘pessoas importantes da terra’ constitui o primeiro escalão da ascensão social
e a primeira etapa para a burguesia.
Portanto, ser burguês
era almejado por pelos menos favorecidos da sociedade.
Os burgueses passam a encarregar-se dos serviços dos
Estados territoriais, cobranças de impostos, serviços judiciais, e assim forma
um novo controle aristocrático de domínio senhorial. Tanto que Chaunu cita “que
mais de 50% da colheita ia, por diversos meios, enriquecer as classes não
camponesas”. Assim é possível observar que a burguesia torna-se muito
importante.
Como a ascensão social é travada principalmente por
quem ascendeu havia maior dificuldade a cada geração para que se fosse
alcançada a nobreza. No século XVII na França há uma “nobreza de função”, onde
“recebem uma nobreza não transmissível, todavia se mantém depois de três
gerações no posto”, que provavelmente seja a causa de os pais geralmente terem
vontade de que seus filhos herdem suas profissões. Esses ofícios eram comprados
muito caros, porém “o seu preço é a garantia de eficácia”, formaram o “Estado
dos magistrados” que oneram ainda mais a folha salarial do Estado.
O rei vendia aos oficiais sobrevivências, mesmo
exercendo suas funções tinham a competência de designar um sucessor, parente ou
comprador. Por isso “a burguesia compra feudos e ofícios. Torna-se nobreza de
toga. Satisfeita com sua promoção, ela fecha a sete chaves a porta que
transpôs”. Com isso o parlamento se tornou fonte de enobrecimento através do
cargo de referendário “num cargo de livre-trânsito. O referendário é um estado
que apenas se abraça para deixá-lo”, um trampolim aos cargos enobrecedores.
Por isso,
devido à barreira da admissão erguida contra os homines Novi, que veiculam o dinheiro
fresco da venda e da mercancia, os ofícios do Parlamento, apesar ou por causa
do prestigio a eles ligado, valem quatro ou cinco vezes menos que o preço dos
ofícios enobrecedores, à mercê, muito mais liberal, do rei.
Ou seja, era muito mais
barato entrar no Parlamento e comprar seu título de nobreza, que tentar comprar
diretamente. A receita teórica estatal era em grande parte originária da venda
de títulos de ofícios, cargos esses que eram fim último dos lucros comerciais.
A burguesia protestante fora constrangida a
permanecer na mercancia e finança. Com isso eles foram privilegiados porque
lidavam com o dinheiro do financiamento do Estado e comércio internacional.
Sendo um dos pilares de sustentação da construção de uma Europa capitalista.