sábado, 28 de setembro de 2013

Análise comparativa Roger Chartier/ Paul Veyne

VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a História
CHARTIER, Roger. A história cultural
A história é uma ciência verificável, portanto falível por natureza, pois ao analisar fontes, o historiador encontra nestas, várias lacunas. A partir deste conceito, a análise de dois autores importantes da historiografia é necessária, Roger Chartier com apresentação de conceitos de apropriação, prática e representação. E Paul Veyne com uma explicação de como se faz história a partir da análise de seus predecessores.
Quanto à análise historiográfica, Paul Veyne apresenta que:
As lacunas das fontes não nos impedem de escrever algo a que se dá o nome de história... O mais curioso é que as lacunas da história fecham-se espontaneamente aos nossos olhos... Devemos abordá-las providos de um questionário elaborado. O historiador pode dedicar dez paginas a um só dia e comprimir dez anos em duas linhas, um século pode passar em branco. O leitor confiará nele e julgará que esses anos são vazios de eventos. (p. 18)
Porém a apresentação diferenciada de eventos e datas pode ser proposital, de acordo com a intenção do historiador ou podem não o ser pela intenção dos autores das fontes utilizadas. Por esta razão, Carlo Guinzburg, na obra Mitos, Emblemas, Sinais sugere, a partir do método Morelli, que o historiador possa efetuar a análise “abarcando os pormenores mais negligenciáveis,” para então poder apresentar uma versão dos eventos mais próxima da ‘verdade.’ Para Veyne: “a verdade histórica não é nem relativa, nem inacessível,” (p. 27) porque “nenhum historiador descreve a totalidade, pois deve escolher o caminho que não pode passar por toda parte. Nenhum desses caminhos é o verdadeiro ou é a história.” (p. 30)
Os conceitos de apropriação e representação são complexos, porém sua compreensão pode ser simplificada, onde apropriação seria uma interpretação que não passa necessariamente por uma racionalidade, a prática é a utilização da “utensilagem mental" da época naquele local, e a representação é a expressão da apropriação, a qual se imputam valores à figura representada.
De acordo com Ronaldo Vainfas em Domínios da História, Chartier propõe “um conceito de cultura enquanto prática, e sugere para o seu estudo as categorias de representação e apropriação.” E continua sua análise alegando: “Representação, segundo Chartier, pensada quer como algo que permite “ver uma coisa ausente”, quer como ‘exibição de uma presença’, e conceito que o autor considera superior ao de mentalidade.”
Vainfas completa sua afirmação acerca de Chartier: “O objetivo da apropriação é ‘uma historia social das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais’ que, insiste o autor, ‘são sociais, institucionais, culturais.’” Como a apropriação é a interpretação dos eventos, Lawrence Stone em um ensaio à Revista de História afirma que o historiador deve estar ciente dos riscos envolvidos na análise, enquanto usa-se da racionalidade para oferecer uma explicação plausível quanto ao objeto de estudo.poca e do local onde se faz a representaças, analisados de acordo com a mentalidade da
A “utensilagem mental” é o que Michel de Certeau chama de “lugar social”, que José Carlos Reis na obra A História Entre a Filosofia e a Ciência nos explica como: “a organização do pensamento e a ação, os quais existem em uma ‘situação’: um lugar e uma data – um evento. Por isso não é um princípio supra-histórico que organiza o processo efetivo.” Acerca desta teoria do “lugar social” Ciro Flamarion Cardoso em Uma Introdução à História, afirma: “a realidade social é mutável, dinâmica, em todos os seus níveis e aspectos.” Demonstrando a impossibilidade de repetição de cada panorama.
Por conta desta prática do ‘lugar social’ a história se apresenta como a análise de fontes que são a representação de eventos apropriados de diversas formas, analisados de acordo com a mentalidade da época e do local onde se faz a representação que pode ser falseada de acordo com a intencionalidade de seu autor, pois segundo Chartier “as representações são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam” (p. 17). Com isso Veyne nos apresenta que “a história não trata dos eventos, mas daquilo que podemos saber deles.” (p. 18) Sobre isto, Peter Burke no livro A escrita da História mostra que: “a fonte histórica pode ser falseada, assim como a interpretação pode ser falha.”
Veyne apresenta que somente conhecemos as sociedades a partir do que elas escrevem sobre si, onde “cada evento é relatado de formas diferentes pelos diferentes atores e expectadores.” (p. 12) Enquanto, “um acontecimento jamais coincide com o testemunho de seus atores e testemunhas.” (p. 31) Para explicitar melhor, Burke, analisando relatos fotográficos entende que: “assim como os historiadores, os fotógrafos não apresentam reflexos da realidade, mas representações desta.”
De posse desses conceitos, a afirmação de que não se chega a uma verdade absoluta é correta, pois não se tem a verdade, mas versões da verdade, pois cada ator ou expectador se apropria da informação em uma dinâmica diferente, faz uso do equipamento intelectual disponível para sua realidade e representa o fato diferentemente, porque segundo Veyne: “A história não é lógica.” (p. 18) Portanto “há uma pluralidade de interpretações fundamentalmente equivalentes, mesmo que algumas delas possam distinguir-se pela sua fecundidade.” (p.25)

As obras se tornam complementares e auto-explicativas por tratarem da forma como o autor de história usam-se do ‘lugar social’ para fazer representações da sociedade que não necessariamente condizem com a ‘verdade,’ pois além de existirem diversas nuances e ângulos de visão dos eventos, as diversas lacunas presentes nas fontes podem ser utilizadas para que a análise seja manipulada de acordo com interesses que podem ser explícitos ou implícitos de acordo com a apropriação do historiador.
Bibliografia
VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a História: Foucault revoluciona a história. Brasília, 1982: ed. Universidade de Brasília. Tradução: Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. São Paulo, 1982: ed. Difel. Tradução: Maria Manuela Galhardo

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