sábado, 3 de março de 2012

pedagogia da autonomia Paulo Freire

A serviço da libertação do homem, dirigiu-se às massas oprimidas acreditando na liberdade, no poder de criação e de crítica, e estabelecendo as bases de uma pedagogia onde, tanto educador como o educando aprendem no trabalho comum de uma tomada de consciência da situação que vivem, por serem homens igualmente livres e críticos, pois as relações que o homem trava com o mundo fazem-no estar no mundo, e com o mundo, por ser um ser de integrações e não apenas de contatos, e por ter uma abertura à realidade.
Prefácio
O tema central da obra é a formação profissional docente, juntamente com uma reflexão sobre a prática educativa para a autonomia dos educandos. Os saberes necessários à prática educativa são necessários tanto a educadores críticos quanto para professores conservadores, pois são requeridos pela prática docente. “É necessário ser coerente. Não adianta o discurso competente, quando a ação pedagógica é imutável. A prática docente deve ser fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando.” (p. 10).
Formar não é puramente treinar o educando no desempenho de destrezas, é desenvolver os dons e atiçar a capacidade cognoscitiva do mesmo. “O preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética.” (p. 16).
Freire anuncia
a solidariedade enquanto compromisso histórico de homens e mulheres, como uma das formas de luta capazes de promover e instaurar a ‘ética universal do ser humano’. Essa dimensão utópica tem na pedagogia da autonomia uma das suas possibilidades. (p. 11).
Freire aponta “o erro não é ter um ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele.” (p. 14). Onde “não é possível viver eticamente sem estar exposto permanentemente à transgressão da ética.” (p. 17). No entanto “a transgressão possível dos valores éticos é um demérito, jamais uma virtude.” (p. 18).
Capítulo 1
Não há docência sem discência
O ensino foi descoberto historicamente na vida social de homens e mulheres. “Quem ensina, aprende ao ensinar e quem aprende, ensina ao aprender.” (p. 23). A formação permanente dos professores é imprescindível para o exercício da docência, tendo-se como fundamental a reflexão crítica sobre a prática. Nesta formação permanente, não importa a repetição mecânica do gesto, mas sim a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que ao ser ‘educado’ vai gerando a coragem. “A reflexão crítica sobre o processo se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode virar blábláblá e a prática, ativismo.” (p. 22).
Lecionar não é transmitir sabedoria, mas criar as possibilidades à construção, recriação do conhecimento. Porque é inválido o ensino onde o aprendiz não se torna competente para recriar ou refazer o ensinado. “Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se dispõe a ser ultrapassado por outro amanhã.” (p. 28). O ensino exige pesquisa e a pesquisa necessita do ensino. Para conhecer o que ainda desconheço preciso pesquisar e ensino para comunicar ou anunciar a novidade. Onde faço a recriação do conhecimento.
A aprendizagem para a autonomia do sujeito é incompatível com o treinamento pragmático, ou com o elitismo autoritário dos que se consideram donos da verdade e do saber articulado. O conhecimento dos alunos deve ser respeitado e utilizado na educação dos mesmos. “A curiosidade é parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade a qual nos move e nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.” (p. 32).
O preconceito ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia. Por isso o educador democrático deve reforçar a capacidade crítica do educando, na sua curiosidade e insubmissão. “A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado.” (p. 38).
Freire nos fala que o ‘pensar certo’ exige humildade, exemplo, ética, experiência, respeito, comunicação, pesquisa, dialética entre o pensar e fazer, criticidade, disponibilidade, aceitação, generosidade, curiosidade, criatividade, compreensão, segurança, coragem, insubmissão, ação, desafio, democracia, negação a qualquer preconceito, profundidade na interpretação da realidade, coerência, localização histórica, entendimento, participação, dinamismo, comunhão, reflexão, rigor metódico, decisão, inteligência, lealdade, amor. Pensar certo exige ainda assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, transformador, criador, realizador de sonhos. E ele completa dizendo que “só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo.” (p. 27).
Pensar certo implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o respeito à capacidade criadora do educando, demanda profundidade na compreensão e na interpretação dos fatos, é agir certo. O pensar certo tem o gosto pela generosidade que, não negando a quem o tem direito à raiva, a distingue da raivosidade irrefreada. Tem disponibilidade ao risco, aceitação do novo, não apenas porque é recente, pois o velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou marca sua presença no tempo continua novo. (p. 35). O pensar certo deve ser ensinado concomitantemente ao ensino dos conteúdos. Pensar certo é algo que se faz e vive enquanto dele se fala com a força do testemunho. (p. 37). O ensino deve se dar a partir do exemplo. O fazer certo testemunha em favor de quem pratica o pensar certo. “A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialética entre o fazer e o pensar sobre o fazer.” (p. 38).
A criticidade não se dá automaticamente, é necessária a superação da ingenuidade através do pensar certo, promovendo a capacidade criadora dos discentes, própria da curiosidade deles. “A promoção da ingenuidade à criticidade deve ser feita com estética para despertar interesse dos educandos, juntamente com uma rigorosa formação ética.” (p. 32).
Nenhuma formação docente pode ser desatenta ao exercício da criticidade, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. O importante é submeter as instituições à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade epistemológica. (p. 45).
Capítulo 2
Ensinar não é transferir conhecimento
O ensino é muito mais que transferência de conhecimento, é a abertura à criação de novos conhecimentos e a recriação dos já existentes. A inconclusão do ser humano faz-nos buscar a educação, o ensino para que possamos nos completar, ou pelo menos, dar qualidade às nossas vidas.
Quem não entende a ética não pode ser ético. “Só os seres que se tornaram éticos podem romper com a ética,” (p. 52) ‘O inacabamento de que nos tornamos conscientes nos fez seres éticos.’ (p. 59). A inconclusão do homem, quando assumida, enraíza a ética. (p. 60). Por esta razão a ética é cobrada apenas dos seres humanos. A ética nos exige o respeito à autonomia e à dignidade de cada um, isso não é um favor que podemos conceder uns aos outros.
Devo respeito à autonomia e à identidade do educando com uma prática em tudo coerente com o saber.
Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria existência no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem teologia, sem assombro em face ao mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível. (p. 58).
O bom senso me adverte de que a prática de exercer a minha autoridade em classe não é sinal de autoritarismo. A autoridade vem do cumprimento do dever.
O respeito devido à dignidade dos educandos não me permite subestimar, ou pior ainda, zombar do saber que eles trazem consigo para a escola. Também não permite que os ironize, discrimine, iniba-os com minha arrogância. O respeito ao educando diz que devo ser responsável, cumpridora dos deveres, que devo preparar e organizar a minha prática, lutar pelos meus direitos e protestar contra injustiças. “O ideal é que, na experiencia educativa, educandos e educadores convivam de tal maneira com os saberes que os tornem sabedoria.” (p. 58).
A responsabilidade dos professores é muito grande, os docentes são os formadores dos médicos, advogados, engenheiros, outros educadores, enfim todos os profissionais somente podem ser profissionalizados por professores.
A tarefa docente exige condições favoráveis, higiênicas, espaciais e estéticas para a prática pedagógica ser eficiente. Sem essas condições a educação é pouco eficiente ou ineficaz.
Ensinar exige humildade, tolerância, respeito, aprendizado constante, convivência com as diferenças, amorosidade, comprometimento, luta política consciente, crítica, organização, apreensão da realidade, reflexão, mudança, construção e reconstrução de conhecimentos, habilidade, posição política, ética, bom senso, alegria, esperança, moral, receptividade, autoridade. Enfim, ensinar exige o ‘pensar certo’.
O trabalho do professor que exerce a profissão com crianças é a difícil caminhada rumo à autonomia que só é possível com consciência crítica. O desenvolvimento da criticidade é a negação da acomodação, adaptação, tornando-os capazes de intervir na realidade.
A mudança é possível, porém seu caminho é árduo. É necessária ação politico-pedagógica comprometida com a alfabetização e formação de mão de obra técnica com qualidade e criticidade.
O saber crítico não é arrogante, nem pode ser imposto como verdade, porém a adaptação ao saber ingênuo (censo comum) é um erro sem tamanho para o educador crítico.
O sistema sociopolítico e econômico é desumano e provoca culpa indevida nas pessoas, como uma ‘sombra invasora’ que deve ser substituída pela autonomia e responsabilidade. Para isso é necessária a dialética entre a ‘leitura do mundo’ e a ‘leitura da palavra’.
O educador deve estimular a curiosidade do educando, pois assim estará estimulando a sua própria e então “haverá um bom clima pedagógico-democrático onde o educando aprende que a curiosidade assim como a liberdade tem limites.” (p. 85).
É importante que haja diálogo entre docente e discente para a assunção de uma postura epistemologicamente curiosa, e assim a recriação do conhecimento aconteça. Para tanto há a necessidade de equilíbrio entre liberdade e autoridade, não pendendo para o autoritarismo, nem para a libertinagem, pois há indisciplina em ambos, inexiste respeito em tais práticas, portanto o diálogo não se faz possível.
Capítulo 3
Ensinar é uma especificidade humana
A liberdade dos alunos gera neles confiança e segurança. Para que possa ser dada a liberdade os docentes devem ser seguros. Somente pode-se ser seguro sendo competente. Para ser competente há a necessidade de formação permanente. Para que a autoridade dos docentes seja reconhecida plenamente e assim possa ser dada a liberdade, os professores devem ser generosos. Pois a arrogância e a mesquinhez negam o princípio democrático da educação.
A autoridade democrática, coerente e ética aposta na liberdade disciplinada, onde não há estagnação, mas sim a recriação dos conhecimentos, onde há reinvenção do mundo, que é a autonomia educativa. “O ensino dos conteúdos implica testemunho ético do professor.” (p. 95).
Para ensinar é preciso dominar o conteúdo. Como ensinar o que não se sabe? Por isso, a constante formação docente é imprescindível. Para ensinar é necessário ser verdadeiro, por isso ético.
A educação é e não é, ao mesmo tempo, tanto reprodutora da ideologia dominante, quanto contestadora dela. “Não posso ser professor sem me achar capaz de ensinar certo e bem os conteúdos de minha disciplina nem posso reduzir a minha prática docente ao puro ensino dos conteúdos.” (p. 103).
Só é possível exercer a autoridade quando existe a liberdade crítica que defende seus direitos, pois somente com liberdade aprendemos a decidir. A autonomia se dá a partir das experiências das decisões tomadas. A pedagogia da autonomia tem base na liberdade para tomadas de decisões por parte dos alunos, para que ao se confrontar com as consequências de suas decisões tenham uma postura ética.
A professora democrática, coerente, competente, que testemunha seu gosto de vida, sua esperança no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças, sabe cada vez mais o valor que tem para a modificação da realidade, a maneira consistente com que se vive sua presença no mundo, de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um momento importante que precisa de ser autenticamente vivido. (p. 113).
Para falar com os alunos devemos escutá-los e não falar impositivamente, se tivermos a intenção de sermos escutados, para que haja diálogo e assim a recriação do conhecimento.
A educação tem uma base fatalisticamente ideológica, esconde e revela a realidade faz pensar ou mesmo faz parar de pensar, pode criticizar ou alienar.
Sem que o educador seja amoroso e queira o bem aos alunos o ensino crítico é impossível, pois se não quiser o bem o trabalho feito será extremamente ruim , sem qualidade alguma.
Parecer da resenhista
Pedagogia da autonomia, um livro dedicado aos alunos de cursos de formação de educadores preocupados com o futuro de seus alunos, fala sobre ética, formação permanente dos docentes, liberdade e autoridade.
É um livro indicado para professores em formação, ou que já exercem a profissão para a conscientização do poder da educação.
Paulo Freire insiste no ‘pensar certo’ e na ética que bate de frente com o que uma professora me disse certa vez:
“Para que vou te ensinar a pensar criticamente, se eu tenho filhos? Eles são ensinados para mandar. Se eu fizer o mesmo com filhos de pobre, quem eles vão mandar? Ao fingir que ensino eu faço os filhos de pobre felizes com pouca informação para gravar e garanto um futuro melhor para meus filhos, que tem educação de qualidade.”
Essa professora, com essa afirmação me fez pensar que eu devo ser melhor, e acima de tudo devo fazer melhor. Devo fazer o melhor para que os alunos, através de suas escolhas, tenham seu futuro de acordo com as consequências delas.

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