Iara Lis C. Souza
A Independência do Brasil
Pátria Coroada - O Brasil como corpo político e
autônomo 1780-1831
Iara Lis Franco Schiavinatto Carvalho
Souza é doutora em história pela Unicamp e professora da UNESP desde 1988 nas
áreas de História Moderna e História Social da Cultura. Participa de
congressos, debate, escreve artigos e textos acerca de problemas brasileiros
dos oitocentos.
Ambos os livros de mesma autora relatam
o período da independência do Brasil, a formação de um corpo político autônomo,
baseada na aclamação, algumas vezes a contra gosto, para que o 'mal maior'
fosse evitado, onde a anarquia e o exemplo de São Domingos não se repetissem de
forma alguma no país. As ideias são repetidas em ambos, pois tratam do mesmo
assunto, o contexto da independência.
A emancipação brasileira foi, ora retardada,
ora acelerada pela chegada da Corte ao Brasil e sua instalação na cidade do Rio
de Janeiro. As obras iluministas de Montesquieu, Rousseau, Mably, Raynal,
Benjamim Constant, Burke, Bentham são apresentadas como base do pensamento
político que aflorava à época e eram republicados e citados na imprensa, por
isso eram lidos e discutidos nas boticas, câmaras, em casa, nos botecos,
livrarias, tipografias, lojas maçônicas, reuniões de sociedades secretas.
Outro ponto que merece citação são as
revoltas em Portugal e no Brasil, o movimento Gomes Freire de Andrade (1817) e
a revolução liberal, conhecida por vintismo (1820), ocorridos em Portugal, que
culminaram no retorno do rei a Portugal. No Brasil, houve a revolução
pernambucana (1817), onde se declarou a independência e instaurou a república.
O Brasil vinha gozando de privilégios inexistentes
anteriormente. “Desde fins do século XVIII, a condição do Brasil dentro do
império português foi, paulatinamente alterada.” (p. 12)2 A questão
era: Que figura política teria a fortuna de angariar a adesão de mais pessoas e
em si significar o território e sua gente? (p. 10)2 A adesão à
figura do príncipe como o aglutinador por sua persona.
O
ápice do livro é o qual D. Pedro é "escolhido" como representante da
nação.
Com a adesão crescente à figura de D. Pedro, a
solicitação de retratos do imperador pelas câmaras das diversas vilas
espalhadas pelo território nacional. O Estado providenciou e despachou
rapidamente os retratos, que deveriam ser recebidos com festa, pois personificava
a persona imperial, "sendo um dispositivo da autoridade de D.
Pedro." (p. 59)2
O heroísmo do príncipe em afrontar seu
pai e 'em nome do poder da nação brasileira', libertar o país do jugo português
nocivo aos negócios e crescimento do Brasil, mantendo a unidade e criando a
soberania nacional por aglutinar à sua persona as características de um
líder libertário e fiel à pátria. "Para os brasileiros a imagem heróica de
D. Pedro sobrepuja a do imperador." (p. 17)1
No Brasil escravista, a censura às ideias
iluministas era ferrenha, pois os ideais de igualdade e liberdade eram
'perniciosos' aos interesses dos grandes proprietários. A Real Mesa Censória
proibia a circulação das obras de pensadores iluministas, entretanto era comum
encontrar obras de Montesquieu, Rousseau, Diderot, entre outros entre os
pertences de padres, ouvidores, bacharéis e certos negociantes.
O discurso da imprensa foi também um
problema para D. João, pois republicavam e citavam os iluministas, e "eram
lidos em casa, nos botecos, tavernas, boticas, livrarias, tipografias,
academias, reuniões, lojas maçônicas e câmaras." (p. 39)2 A
publicação e citação de pensadores iluministas era feita com pseudônimos ou no
anonimato. Como o discurso era de que: O poder é do povo e o governo deve ser
vinculado a ele e agir com justiça e é inexistente sem uma relação com o povo,
porém o povo somente tem poder quando alguma autoridade o governa: o rei.
Portanto a autonomia política do povo só existe com o governo e o governo só
existe se tiver apoio e representar o povo.
Encontra-se,
no início da década de 1820, uma profusão de informações desencontradas,
manifestos políticos, atos individuais, sentimentos, ações coletivas, gritos de
concordância, espadas desembainhadas, sangue correndo, clamores. Tais palavras
e atitudes vão delineando um ser coletivo, o Brasil. (p. 9)2
No Brasil escravista, a censura às
ideias iluministas era ferrenha, pois os ideais de igualdade e liberdade eram
'perniciosos' aos interesses dos grandes proprietários. Após a independência, por conta da falta de
acesso rápido à informação, "havia escravos que acreditavam que a abolição
ocorrera ou estava prestes a ocorrer." (p. 120)1
O movimento Gomes Freire de Andrade não
foi o arregimentador ou seu iniciador, porém participou com liderança no
movimento por ser veterano de guerra, de família importante e maçom altamente
graduado. Controlou o movimento com sua experiência em combate e com seu
insucesso fora enforcado. "Os rebeldes procuravam repor, através da
monarquia constitucional, a ordem anterior, de um tempo de outrora, em que o
rei era querido e justo, em que o interesse do súdito era atendido, daí a
intenção de criar um Conselho Regenerador." (p. 65)1
O movimento separatista em Pernambuco
teve adesão da Paraíba e Rio Grande do Norte, autodenominado revolução tinha
por objetivo eliminar a interferência dos comerciais portugueses na venda de
algodão, cana de açúcar e outros produtos para a Inglaterra. Deste movimento
surgiu uma bandeira, com um fundo azul, o sol e um arco íris com três estrelas
representando as províncias rebeldes.
O discurso que inflamava o movimento era
de cunho religioso, onde o Satanás enganaria o povo através de um rei que nunca
fora eleito. E para conseguir alcançar seus objetivos pregavam "disciplina
e união: a disciplina é origem dos grandes feitos; a união é a fonte de todos
os bens, o veículo exclusivo da força dos Estados." (p. 73)1
Em 1820, outro movimento nascia em
Portugal, mais precisamente no Porto, os intitulados vintistas, que buscava
novamente a convocação das cortes para o estabelecimento de uma monarquia
constitucional. A tropa mais uma vez tinha seu lugar destacado, para evitar
tumultos populares e a tão temida anarquia. Estabeleceram um governo
provisório, pondo fim ao governo regencial no dia 15 de setembro, data da
comemoração da libertação dos franceses, rapidamente em 1 de outubro a Junta
assegurava ao rei a garantia do seu mando e em 6 de outubro os grandes do reino
juraram obediência ao rei e suas cortes.
O movimento vintista foi tão importante
que acabou culminando no retorno de D. João a Portugal. As revoltas em busca de
uma monarquia constitucional tornaram emergentes a ideia de que o poder é
emaranhado à nação, procuravam submeter o rei às ideias do contrato social de
Rousseau, e assim evitar o despotismo.
Com o retorno do rei a Portugal, houve
uma reordenação da autoridade pública que alterou o sistema de arrecadação, e
tornou a enviar receitas a Portugal. A decisão de D. Pedro de ficar no Brasil
não era bem vista pela elite brasileira, porém entre junho e agosto a aceitação
cresceu mediante a limitação de autoridade ditada pelas cortes.
No Rio de Janeiro entre fins de 1820 e
início de 1821, burocratas portugueses, e o grupo de atacadistas fluminenses e
grandes proprietários disputam influencia política. Tinham a intenção de fazer
a divisão do poder em três, onde os aristocratas atuariam no legislativo. Para
criação de leis, pois acreditavam na necessidade de uma constituição e
defendiam a utilização da constituição espanhola até se fazer uma constituição nacional.
Ambos os grupos apoiavam a
independência, porque D. João assina decretos onde D. Pedro partiria para
Portugal e organizaria o poder. As cortes em Portugal deliberavam sobre a
autoridade real, limitando-a e promovendo uma viragem na noção de soberania.
Contudo existia a corrente constitucional, cujo lema era constituição de
Portugal ou morte, buscando o reconhecimento do legislativo.
Desde o início de 1821, houve a
organização de diversos governos com certa autonomia em relação ao Rio de
Janeiro, sua grande maioria foi nas regiões Norte e Nordeste, onde havia uma
dificuldade logística, pois a distância do poder central e a falta de agilidade
no trâmite de ordens superiores ou até mesmo pela falta de uma presença mais
forte do poder imperial favorecia essas incursões.
No entanto foram todos abafados por
tropas de Cochrane e Labatut que obrigava que a aclamação a D. Pedro fosse
feita publicamente para que se visse a adesão à causa do Brasil e houvesse a
manutenção da riqueza dos portugueses, caso contrário sofreria confisco e
ficariam a mercê do exílio.
O uso das tropas era uma prefiguração da noção de
povo em armas adensando o grito da independência. Marchavam sob ordens e tinham
em D. Pedro seu comandante-em-chefe. Com isso, em cada localidade o imperador
estabelecia um elo com a população.
Escravos
pegaram em armas; homens livres pobres e soldados das tropas deram vivas a D.
Pedro. Muita gente viu na Independência a chance de melhorar sua vida,
indagando pelos direitos que os debates suscitavam. Portugueses interessados em
manter negócios com o Brasil foram a favor da Independência e declararam sua
fidelidade ao país. Em contrapartida, brasileiros simpáticos à manutenção dos
elos entre Brasil e Portugal para lá migraram. A desagregação do mundo colonial
se estende pelo início do século XIX com a reformulação do papel das câmaras, a
criação da Guarda Nacional e o fim das tropas e milícias, além de tentativas de
várias províncias de proclamar a República e se tornar independentes do próprio
Brasil. (p. 11)2
Os conceitos de apropriação e
representação de Chartier são bem explicados com o exemplo da independência do
Brasil. O quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, com D. Pedro
empunhando uma espada, montado num cavalo entoando o grito que soa por todo
império, enquanto a passagem pelo Ipiranga foi realizada no lombo de um burro.
Para ilustrar e personificar a obra da independência, grandes artistas como
Debret e Grandjean de Montigny foram patrocinados para retratar a grandeza e
poder da monarquia no Brasil.
As festas de aclamação davam impressão
de que todos os participantes concordavam com a autoridade real. Retratos do
rei circulavam por todo império. Era fundamental que os signos e sentidos da
realeza circulassem pelo tecido social, fossem comunicados e apreendidos
através de festas oficiais e da realeza onde a maior parte da população
assistisse e participasse. "Havia uma preocupação em vigiar e controlar a
presença e circulação escrava e dos livres pobres e forros, assegurando que
trabalhassem e não suscitassem a desordem social. (p. 54)1
A movimentação política deixou a
negociação palaciana e infiltrou-se pelas ruas. D. Pedro assumia o papel de
domador da cena pública, o governante do povo. O Revérbero Constitucional que
não tinha afeição ao príncipe, a princípio, foi tornando-se simpático a ele. D.
Pedro alia-se às elites pelo uso de sua figura, torna-se a melhor opção para
ocupar o espaço público e encerrar em si a capacidade de representar a
soberania, entrelaçando-se a ela, com isso é visto como um instrumento da
vontade geral, o político capaz de resolver conflitos.
Durante a década de 1820 a figura do
imperador foi perdendo credibilidade e com a derrota na guerra da Cisplatina, o
desgaste foi inevitável, as festas para aclamação real não tinham mais sentido,
pois acabavam em pancadaria. A credibilidade do imperador não era a mesma, ao
passo que houve festas em nome da abdicação, celebrando o Império em detrimento
do imperador. Com esse contexto, D. Pedro foi descartado, tendo de abdicar do trono
e seguir para Portugal.
Bibliografia
SOUZA,
Iara Lis C. Pátria Coroada: O Brasil como corpo político autônomo --
1780-1831. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1999. Coleção prismas
SOUZA, Iara Lis C. A Independência do Brasil.
Rio de Janeir